O motivo pelo qual Leônsio era tão querido por todos era por causa dos seus olhos — aqueles olhos que conseguiam enxergar a essência por trás das aparências.
Ele era capaz de ver através de qualquer falsidade, de perceber a verdade oculta por trás das máscaras das pessoas, de captar a natureza mais profunda de alguém com um único olhar.
Mas Leônsio nunca falava sobre isso. Nunca demonstrava.
Sob aquela aparência gentil, escondia um coração mais duro que pedra.
Porque Higurine era o seu limite intransponível.
Era o seu santuário interior, mesmo em meio ao caos do mundo.
E, se alguém ousasse se aproveitar da bondade de Higurine para feri-la, mesmo que fosse um príncipe do império, Leônsio nem precisaria agir — os próprios comerciantes da rua o espancariam até a morte antes de jogá-lo para fora.
Por isso, como forma de agradecimento ao cuidado daquela "anjo", os moradores da Cidade Celestial criaram uma regra não escrita: [Qualquer um que desrespeitasse Higurine sofreria uma punição pior do que a própria lei permitia.]
Os pacientes de aparência mais rude que chegavam à clínica eram logo advertidos pelos vizinhos, deixando bem claro que ali existia alguém que jamais deveria ser ofendido.
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**Capítulo 3: Que Coincidência**
— Enfermeira-chefe, tem algo que queira comprar hoje? — perguntou Leônsio a Higurine.
— Hmm... Queria um vestido novo...
— Eu te levo.
— Tá.
— É só me seguir.
Leônsio a levou até uma loja de tecidos chamada **"Ateliê Celestial"**, um pequeno estabelecimento que a dona construiu do zero. Lá, cada peça era única — nada se repetia.
A dona costurava sob medida, atendendo aos gostos dos clientes, e, por isso, suas criações sempre agradavam. A loja fazia sucesso entre a nobreza, apesar dos preços altíssimos, proibitivos para o cidadão comum.
Eles estavam ali porque Higurine só conseguia usar roupas sob medida. O corpo das Melusines era diferente dos humanos, e até mesmo ela, que tinha proporções mais próximas, sofria com o problema da cauda ao experimentar roupas infantis.
Na vitrine, vestidos delicados, laços, babados e bordados em renda se exibiam, mas nenhum servia diretamente nela — tudo precisava ser adaptado.
Ao entrarem, foram recebidos pela dona, uma senhora de meia-idade, vestida com um vestido roxo e segurando uma sombrinha preta. Seu rosto iluminou quando os viu.
— Ah, o Duque e a Senhorita Higurine! Que honra!
— Há quanto tempo, madame — cumprimentou Leônsio com naturalidade.
— Dona Elisa, como vai? O remédio que eu passei ajudou? — Higurine inclinou-se levemente, acenando rapidamente.
Sempre preocupada com os outros antes de tudo.
— Muito, muito! Graças à senhorita, estou ótima! — Elisa sorriu.
— Que bom! Mas a senhora precisa se mover mais, ficar sentada o dia todo faz mal!
— Sim, sim! Obrigada pela preocupação! — agradeceu a costureira. — Vamos tirar suas medidas?
O "dom" de Elisa era uma agulha de costura. Embora não tivesse poder mágico, sua habilidade manual era excepcional. Ela sabia que a encomenda era para Higurine — casos de "mutações" que afetavam o corpo não eram tão raros, mas o maior desafio eram mesmo as proporções da menina.
Depois de medir, Elisa pegou um esboço.
— E qual estilo a senhorita deseja desta vez?
Higurine pensou um pouco.
— Um vestido comprido, mas não muito fechado, para minha cauda ficar à mostra! Ah, e com bolsos, para eu guardar doces e adesivos!
Elisa sorriu.
— Entendido. Vai ficar lindo, pode deixar.
— Agradeço — disse Leônsio, já puxando a bolsa.
— Não precisa, Duque — interrompeu uma voz.
Todos viraram-se. Um homem aproximava-se.
— Oh! O Príncipe Herdeiro! — Higurine fez sua saudação característica, desviando do gesto automático do homem de tocá-la no ombro.
— Senhorita Higurine, sempre um prazer — sorriu o príncipe, recuperando-se do momento constrangedor.
— Que honra inesperada, Vossa Alteza — Leônsio comentou, irônico.
— Ah, hoje resolvi vir comprar umas roupas — riu o príncipe.
Aquela desculpa era tão fraca que nem um cachorro acreditaria.
O **Príncipe Herdeiro de todo o reino**, sair do palácio no **leste da cidade** só para comprar roupas no **norte**? Nem Leônsio, nem Elisa, nem mesmo a inocente Higurine engoliram essa.
Afinal, a loja de Elisa, apesar de famosa, não era tão cara assim — até uma família comum poderia comprar lá.
A loja que ela abriu ficava exatamente na divisa entre o bairro popular e o distrito nobre.
E a mansão do príncipe herdeiro ficava praticamente no coração da área aristocrática, colada ao palácio real. Tian Dou era uma das grandes cidades do continente Dou Luo - atravessar do leste ao norte não era uma distância pequena.
Além disso, quem era Xue Qinghe?
O príncipe herdeiro do Império Tian Dou! Que príncipe em sã consciência iria pessoalmente comprar roupas? Só se fosse louco.
— O senhor príncipe deveria mesmo sair mais para caminhar — sugeriu ingenuamente Sigwen, sem perceber nada de estranho — Ficar sentado lidando com documentos o dia todo faz mal à saúde e prejudica a circulação do sangue.
— Hmm... — Xue Qinghe pareceu surpreso por um instante, depois sorriu resignado — Entendido. Obrigado pelo conselho, Senhorita Sigwen.
Era típico de Sigwen: em qualquer conversa, não passavam três frases sem ela comentar sobre a saúde alheia. Era impossível ficar bravo com aquilo.
— Mas quanto às roupas, não precisamos incomodar sua alteza — disse Leoslei, que detestava receber favores. Dívidas, mesmo pequenas, eram complicadas de quitar.
Principalmente agora, quando chamar atenção seria ruim. A presença de Xue Qinghe já despertava a curiosidade dos nobres ali presentes.
Pelo que lembravam, Leoslei e o príncipe eram completos estranhos. Personalidades opostas, gostos diferentes, posições sociais distintas... Era raro vê-los juntos.
E agora, o príncipe oferecendo comprar roupas para o duque?
Aquilo era extraordinário.
Será que... o príncipe herdeiro queria recrutar o "Duque"?
Ou será que o alvo era Sigwen?
Ela era extremamente popular em Tian Dou. Por causa de sua "mutação de espírito ancestral", sua fama até superava a do próprio príncipe. Bastava Sigwen pedir, e muitos correriam para atendê-la.
[CAPÍTULO 4: "Sua Avó"]
Vale lembrar que o Leilão de Tian Dou frequentemente vendia "escravos" que haviam sofrido mutações no espírito ancestral e não conseguiam revertê-lo.
Embora os dois grandes impérios proibissem o comércio de escravos, a lei era praticamente inútil!
No Império Tian Dou, a escravidão era uma indústria próspera. Famílias desesperadas vendiam filhos ou a si próprias como servos. Alguns eram criminosos condenados e suas famílias, marcados como escravos perpetuamente.
Mas o pior eram os caçadores de escravos.
Esses não caçavam bestas espirituais, mas pessoas - geralmente plebeus bonitos ou com espíritos ancestrais promissores. Depois de capturados, eram leiloados para nobres.
A cada instante, mais plebeus eram vítimas dessa prática, que as autoridades fingiam não ver. Na verdade, a família real estava envolvida até o pescoço, ou esses leilões não aconteceriam descaradamente.
E mutantes como Sigwen? Esses eram os favoritos dos caçadores.
Mas ninguém ousava tocá-la. Por quê?
Achar que a simpatia dos cidadãos protegeria Sigwen era ingenuidade.
Ou ela e Leoslei tinham protetores poderosos... ou eram fortes demais para serem mexidos.
Considerando os fatos, a segunda opção parecia mais provável.
— Oh? — Xue Qinghe arqueou uma sobrancelha ao notar a resistência de Leoslei — Parece que o duque não quer minha ajuda.
Leoslei lançou um olhar aos guardas reais, que mantinham expressões impassíveis.
— Excelência, há um equívoco. Nos encontramos por acaso, não o estávamos seguindo — explicou rapidamente o príncipe ao perceber a mudança no semblante do duque.
Leoslei sorriu levemente.
— Não é necessário explicar, alteza.
Depois de tudo que viveu, ele confiava em pouquíssimas pessoas. Não queria dever favores!
Se fosse apenas um guerreiro espiritual comum, talvez aceitasse. Mas não era o caso.
— Compreendo — disse Xue Qinghe, cujo olhar se alterou.
Ele percebeu que Leoslei nutria certa antipatia por ele, mas não ficou ofendido.
Pelo contrário: aquilo só aumentou seu interesse. Pessoas de caráter único sempre escondiam algo extraordinário.
Diferente dos nobres mimados, o príncipe não causaria problemas por um estranho.
Ele era inteligente demais para isso.
A relação entre os dois era peculiar. Para Xue Qinghe, Leoslei agora era um potencial aliado a ser conquistado - não alguém para se antagonizar.
Seguiram caminhando. Leoslei não se importava com os seguidores, afinal, só estava comprando algumas coisas.
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